
Daniela Craveiro – Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa

Imaginar um futuro melhor para nós e para a nossa comunidade é mais difícil do que parece. Temos de estabelecer premissas, como identificar as pessoas e contextos em que nos centramos, ou definir o que queremos melhorar, e de que forma.
No geral, temos dificuldade em pensar a longo prazo com clareza, especialmente sobre o nosso próprio percurso[1]. Mas é uma tarefa que pode ser transformadora a nível individual ou a nível comunitário, na medida em que nos ajuda a mapear prioridades, alternativas, e planos de ação. Nos cenários imaginados dificilmente entram considerações sobre rugas ou cabelo branco, mas no futuro, mesmo no nosso melhor futuro, envelhecemos – envelhecemos melhor, mas envelhecemos ainda assim.
Vivemos cada vez mais anos. A esperança média de vida continuou a aumentar na maioria dos grupos etários mesmo durante a pandemia[2]. Há mais futuro para pensar. E o trabalho que fazemos nas universidades e nos centros de investigação pode e deve ser usado para essa reflexão. O livro “100 Years Life[3]” [100 anos de vida] (já com uma recente continuidade com outra publicação: “The New Long Life[4]” [A nova vida longa]), influenciou-me bastante a esse nível. Os autores, e o movimento gerado, ilustram como a academia pode mobilizar a sociedade civil para pensar os desafios do futuro – diga-se da longevidade. No livro, chamam a atenção à importância (e risco de erosão) de recursos tangíveis (como rendimento e riqueza) e dos recursos intangíveis (como a capacidade de atualizar competências, de manter o bem-estar pessoal e lidar com a mudança). Alertam para o potencial de transformação associado ao aumento de anos de vida, e para o desajuste das nossas sociedades atuais no sentido de a enquadrar da melhor forma.
Ainda que numa tendência, a meu ver, muito orientada para a responsabilidade e agência do individuo, geradora de posições normativas e sobrevalorização das opiniões de autoridades científicas para a tomada de decisão individual e política, o trabalho destes autores tem um grande mérito nos esforços de partilha de conhecimento e de promoção de reflexividade sobre o futuro. Têm o cuidado de calibrar mensagens para pessoas em diferentes pontos do ciclo de vida, para empresas e para políticos. É um manifesto para a ação individual e organização coletiva com base na reflexão a longo curso: numa perspetiva de curso de vida, em que se assume que o passado e o presente influenciam o futuro.

É nesse sentido que proponho o projeto “From Boomers to Millennials” (recentemente financiado no âmbito do programa Estímulo ao Emprego Científico[5]): com o objetivo de contribuir para essa reflexão em Portugal e na Europa. Inclui análises comparativas de três gerações ao nível do volume e distribuição (desigualdade intrageracional) de recursos chave para uma vida longa; exercícios de simulação sobre transições chave associadas a fases avançadas de vida para pessoas em vantagem e desvantagem social (transição para a reforma, transição para a vulnerabilidade física, transição para os últimos anos de vida); e estudos sobre os impactos da digitalização na prestação de cuidados de saúde e equidade social. Para além da produção científica, tem associada uma agenda de comunicação de resultados direcionada a públicos de diferentes faixas etárias e perfis socioculturais. A ambição é a de contribuir para a discussão alargada sobre os desafios e as possíveis respostas sociais, comunitárias, e individuais que melhor enquadrem a transformação social associada à longevidade.
É desenvolvido para recolher algumas pistas e premissas que nos ajudem a pensar o futuro, sem evitar o nosso envelhecimento, mas em que se o equacione da melhor forma, até porque temos mais tempo para isso.
Daniela Craveiro é Doutorada em Sociologia pela Universidade do Minho e mestre em Psicologia Social pela Universidade de Coimbra. Mobiliza uma abordagem interdisciplinar no estudo das implicações do contexto social na saúde e no bem-estar, para capacitar pessoas e comunidades nos desafios da longevidade e da sustentabilidade. É Investigadora Auxiliar no Instituto de Ciências Sociais e Professora Auxiliar Convidada no Instituto Superior de Economia e Gestão. Colabora na R-SCool (Escola de Análise de Dados com R) e na School for International Training – Portugal (Sustainability and Environmental Justice). Atualmente desenvolve o projeto “FROM BOOMERS TO MILLENNIALS: MAPPING INEQUALITIES IN PROSPECTS AND TRANSITIONS FOR THE EXTENDED LIFE COURSE” (2020.04027.CEECIND).
[1] https://slate.com/technology/2017/04/why-people-are-so-bad-at-thinking-about-the-future.html
[2] https://www.ffms.pt/blog/artigo/544/sobre-os-dados-da-mortalidade-portugal-em-paradoxo-de-simpson
[3] https://www.100yearlife.com
[4] https://thenewlonglife.com
[5] Referência: 2020.04027.CEECIND.
Créditos imagens:
Imagem 1: https://www.freepik.com/vectors/vr-headset
Imagem 2: https://www.freepik.com/vectors/elderly-exercise
Como citar este artigo: Craveiro, Daniela (2022). “Um futuro melhor”. Life Research Group Blog, ICS-Lisboa, https://liferesearchgroup.wordpress.com/2022/06/26 26 julho de 2022 (Acedido a xx/xx/xx)