Uma mensagem para os doutorandos do ICS: testemunho da minha experiência


Silvia Di Giuseppe – Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa


O doutoramento é, seguramente, um caminho longo e complexo, mas que também proporciona imensa satisfação. Se voltasse atrás estou certa que o faria novamente. Queria começar o meu testemunho desta forma, porque acho que é a mensagem mais importante que posso transmitir aos novos e às novas estudantes de doutoramento.

Frequentei o programa de doutoramento Sociologia OpenSoc, que terminei em março de 2022 com a apresentação da tese “Estar online e offline: práticas e representações de mulheres portuguesas e italianas na sociedade digital”. Estou muito feliz com a defesa da minha tese, um momento verdadeiramente único onde pude debater o meu trabalho e receber críticas construtivas que, de alguma forma, marcam o fim de um caminho – uma espécie de “rito de passagem” que introduz o/a aluno/a na comunidade científica. 

No entanto, gostaria de começar desde o início, ou seja, a razão pela qual decidi fazer um doutoramento em Portugal e em particular em Lisboa, uma vez que sou italiana e venho de Roma. A primeira resposta que posso dar é que sempre tive uma grande paixão, a Sociologia. Esta relação com a Sociologia vem desde os tempos em que frequentei a Universidade La Sapienza de Roma, onde me formei. Pesquisei, informei-me e então descobri que o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa era uma excelente escola de ensino pós-graduado e de renome mundial. Nasceu, então, o desejo de fazer parte deste Instituto, para progredir no meu percurso académico e profissional na área da investigação em ciências sociais.

A segunda resposta que posso dar é que eu e o meu companheiro sempre tivemos uma forte paixão por Portugal e em particular por Lisboa. Este verdadeiro amor por Lisboa tem origem em várias viagens que fizemos juntos há vários anos. A decisão de enveredar por um doutoramento no estrangeiro, em particular por um doutoramento em Lisboa, permitiu-me conciliar estas duas paixões.

Lisboa, Cais das Colunas.

Tudo teve início em 2014, quando nos mudámos para Lisboa e comecei a frequentar o ICS. A minha experiência foi realmente fantástica porque, para além de ser um Instituto de prestígio, aqui conheci algumas pessoas realmente maravilhosas, que me receberam com grande gentileza e profissionalismo. Professores e professoras, investigadores e investigadoras, colegas de curso, técnicos e técnicas do gabinete de estudos pós graduados e da biblioteca… um conjunto de pessoas, portanto, que tornaram a minha formação e percurso uma experiência única. Quando entrei pela primeira vez no ICS senti, imediatamente, que tinha feito a “escolha certa”. 

Posso dizer que tive muita sorte, porque contei com a orientação de uma grande investigadora, por quem tenho uma enorme estima, a professora Ana Nunes de Almeida, que foi capaz não só de me apoiar do ponto de vista académico, com sugestões construtivas e inspiradoras, mas também do ponto de vista humano, sempre com palavras de incentivo para avançar com coragem e determinação.

As aulas do doutoramento foram sempre muito estimulantes, seja pelos assuntos abordados, seja pela experiência de contactar com diferentes professores e professoras, profissionais muito experientes, capazes de envolver os alunos e desenvolver neles um profundo interesse no campo de estudo. É verdade que não escolhemos os nossos colegas de curso, mas devo dizer que também nessa área tive sorte. Conheci algumas pessoas realmente excecionais, algumas das quais ainda hoje fazem parte da minha rede de amizades mais queridas. É muito importante ter o apoio de colegas, com quem partilhar opiniões e dúvidas para além das de natureza académica. No fundo, são amigos e amigas.  

Falemos agora da parte difícil: a elaboração da tese. Isto porque, apesar do entusiasmo inicial para empreender um doutoramento, da curiosidade que isso desperta e das novas pessoas que se conhecem, há, certamente, momentos de dificuldade. Na verdade, a tese não exige apenas entusiasmo e paixão pelo tema de investigação. É um trabalho árduo, em alguns aspetos um teste de resistência, para o qual é necessário muito empenho. Especialmente quando se terminam as aulas, os exames acabam e é preciso desenvolver a tese, muitas vezes enfrentam-se dias solitários onde se estuda e se escreve sem ter muitos contactos sociais. É importante não ter medo desses momentos e tentar superá-los com resiliência, com a certeza que esse período mais solitário também chegará ao fim.

Mas estudar no ICS não significa apenas ter aulas, exames e escrever a tese. Na minha experiência, ser uma aluna “proativa” é importante. De facto, o ICS tem uma grande variedade de ofertas formativas, de conhecimento, disponibiliza conteúdos enriquecedores que constituem um excelente recurso para o perfil académico. Refiro-me, sobretudo, às Escolas e os Workshops que é possível frequentar, como o curso de Análise de Dados Qualitativos Assistida por MAXQDA, com conteúdos fundamentais que contribuíram, decisivamente, para o sucesso da análise de dados da minha tese. Ou os seminários do ICS, como o Seminário RRI – Responsible Research and Innovation, que permitem aos/às estudantes participar em grupos de discussão alargada em várias temáticas e áreas da investigação em ciências sociais. Através da participação nestes encontros, eles/as podem disseminar o seu trabalho e abrir portas para um percurso na área da investigação. Também interessantes são os vários grupos de investigação do ICS, como o Grupo de Investigação LIFE – Percursos de Vida, Desigualdades e Solidariedades: Práticas e Políticas, no qual fui integrada e faço parte, que permitem desenvolver diferentes interesses, para além dos próprios tópicos de investigação de cada um/a. Em suma, os/as estudantes têm várias oportunidades para se juntar à grande comunidade científica ICS. Portanto, recomendo fortemente o investimento e a proatividade, que aproveitem ao máximo todas estas oportunidades e ofertas para fazerem parte desta comunidade. Tal permitirá não apenas um crescimento profissional com novos estímulos, mas também uma fuga à solidão que uma investigação de doutoramento pode trazer. Nesse sentido, penso ser também muito importante cuidar da condição de estudante e discuti-la com o Conselho Pedagógico. Esta pode ser uma oportunidade para expressar a opinião pessoal e de envolvimento com outros/as estudantes e investigadores/as que procuram melhorar a vida estudantil dentro do ICS.

Outro aspeto importante que gostaria de destacar e recomendar vivamente é a participação em conferências e congressos, obviamente nacionais (em Portugal), mas também internacionais. É fundamental ter a coragem de expor o trabalho fora do contexto diário. Um pouco de ambição ajudará nesse sentido. Ser capaz de enfrentar diferentes realidades das comunidades científicas, não é apenas interessante para a melhoria do trabalho individual, mas é também relevante do ponto de vista dos contributos científicos que os/as estudantes poderão dar a outras investigações. Mas, acima de tudo, porque a investigação é partilha e não faria sentido ser de outra forma. Portanto, tenham coragem e aprendam rapidamente a se expor sem medo, justificando as escolhas de investigação (no âmbito científico). Um doutoramento será sempre pontuado, invariavelmente, por momentos de questionamento (interno e externo), será sempre posto à prova, será sempre preciso explicar a própria investigação e justificar as escolhas. E então, por que não aproveitar também as conferências e os congressos para treinar essas competências? É importante tecer novas relações e, quem sabe, colaborações científicas, definitivamente vitais para um futuro investigador.  

Outro conselho que sinto que devo dar é não personalizar uma crítica que é feita ao nosso trabalho. Nem sempre é fácil seguir este conselho, mas devemos ter em conta que estaremos sempre sujeitos a críticas e devemos valorizá-las onde se revelem construtivas, pois é esse, ou deveria se esse, o propósito da crítica.

Também gostaria de dar alguns conselhos para estudantes estrangeiros como eu. Claro que não se pode estar sempre em leituras e a estudar, às vezes também é importante parar e olhar para lá dos livros. E a beleza de viver em outro país reside nesta aprendizagem constante, pelas vivências que se têm.

Sempre adorei viajar, mas em Lisboa queria ser mais do que uma estudante de passagem, queria também experimentar ao máximo a cultura portuguesa, pela qual já era muito apaixonada. Acredito que vivenciar uma cultura de outro país é uma importante “bagagem” cultural, uma fonte de conhecimento extremamente significativa para as pessoas estrangeiras. Além disso, Lisboa (e seus arredores) oferece várias atividades de lazer para aproveitar o tempo livre na cidade. E quando se sente saudades de casa, é bom saber que é possível envolvermo-nos, participar nas ofertas culturais das comunidades das nossas nacionalidades, como instituições culturais.

Infelizmente, durante a pandemia de Covid19 estivemos confinados, que no meu caso coincidiu com o momento em que estava a escrever a minha tese. Mas, mesmo nessa conjuntura, não desisti e, graças à ajuda excecional da minha orientadora, concluí a redação da tese. No entanto, embora a pandemia tenha colocado uma pressão sobre todos nós, hoje já podemos voltar a frequentar locais de trabalho e estudo, como a Universidade. Por isso, aconselho os alunos e as alunas, na medida do possível, a ir ou regressar às instalações do ICS para realizar as suas atividades e não permanecer na condição “remota”. Viver a vida estudantil de forma presencial. Acredito que o contrário disso, o isolamento, implica um risco muito elevado de solidão e abandono da investigação.

Em conclusão, gostaria de reiterar que, para conseguir fazer um doutoramento, é importante não apenas ter uma forte motivação para o tema da investigação, mas também considerar as diferentes atividades científicas que podem ser realizadas e as relações que podem ser estabelecidas. Na minha opinião, isto é fundamental para o desenvolvimento e a conclusão do percurso que nos propusemos a fazer quando iniciámos o doutoramento.

Se eu recomendaria fazer um doutoramento no ICS? Sem dúvida! Não só pela formação avançada e que oferece, mas pelas pessoas fantásticas que conheci e que contribuíram para o meu crescimento enquanto pessoa e enquanto profissional. Por isso, o meu melhor conselho é nunca desistir, porque apesar de ser um caminho longo e complexo, também está cheio de imensas gratificações. É um caminho difícil, mas uma vez trilhado revela-se muito compensador. Por isso, tenham determinação e tenacidade para o trilhar.  


Crétidos das fotos:
Image 1 – https://opensoc.pt/; Image 2 – https://www.linkedin.com/company/instituto-de-ciencias-sociais/?originalSubdomain=pt; Image 3 – Silvia Di Giuseppe; Image 4 – Silvia Di Giuseppe; Image 5 – Fonte: https://plataforma9.com/financiamento/bolsa-de-investigacao-no-instituto-de-ciencias-sociais-da-universidade-de-lisboa.htm


Silvia Di Giuseppe é doutorada em Sociologia pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS, ULisboa), no Programa de Doutoramento InterUniversitário em Sociologia OpenSoc. Foi orientada pela Professora Doutora Ana Nunes de Almeida (ICS, ULisboa) e bolseira de doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). É Pós-graduada em Sociologia e Mestre em Sociologia, Pesquisa Social e Avaliação. Participou em vários encontros científicos de natureza sociológica, em Portugal (ICS-UL, ISCSP-UL, APS, ESFR, CIEG) e a nível internacional (ISA, ESA). Os seus interesses de investigação atuais centram-se na área das mulheres, do quotidiano, da família, das tecnologias digitais de informação e comunicação (TIC).


Como citar este artigo: Di Giuseppe, Silvia (2022). “Uma mensagem para os doutorandos do ICS: testemunho da minha experiência”. Life Research Group Blog, ICS-Lisboa, https://liferesearchgroup.wordpress.com/2022/10/25 25 outubro de 2022 (Acedido a xx/xx/xx)

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