José Nuno Matos

Jose Nuno Matos é especialista em sociologia do trabalho e dos media e docente na Escola Superior de Comunicação do Instituto Politécnico de Lisboa (ESCS-IPL). Com um percurso de década e meia no ICS-UL onde integrou o grupo de investigação. LIFE, o José Nuno tem-se dedicado, entre outros, ao estudo das alterações introduzidas pela digitalização dos meios de comunicação social nas condições e no trabalho jornalístico. Recentemente juntou-se ao Instituto de Comunicação da Nova (ICNOVA). Fomos conversar com ele a propósito desta mudança e do seu percurso profissional e pessoal.

Entrevista realizada por Vasco Ramos, ICS-ULisboa.


Nos últimos anos tens investigado a crise do jornalismo. Fizeste-o sob diversos pontos de vista: abordando as metamorfoses do campo profissional; a proletarização e desprofissionalização da atividade jornalística; e as trajetórias profissionais de ex-jornalistas. Também tens relacionado estas dinâmicas om o fenómeno da desinformação e, em termos político-económicos, com o entrincheiramento do neoliberalismo nas relações sociais. Será difícil fazer um balanço. Mas, de tudo o que foste descobrindo, que aspetos te parecem socialmente mais relevantes?

Ao longo dos últimos dediquei a minha investigação ao estudo das condições de trabalho e de emprego dos jornalistas. Inclusive, procurei analisar este tema a partir de uma perspetiva histórica, com o objetivo de compreender o quão abruptas foram as mudanças verificadas neste campo. Embora o jornalismo nunca tenha sido propriamente uma profissão muito bem remunerada (ao ponto de não ser considerada uma profissão, mas sim uma semi-profissão) não esperava encontrar uma situação tão grave. Num estudo que foi realizado pela Rede Interuniversitária de Estudos sobre Jornalistas, na qual participei, e que envolveu um inquérito, verificou-se a existência de mais de 50% dos jornalistas sob contratos precários e a auferir de um salário igual ou inferior aos 1000 euros. Por outro lado, nas entrevistas que realizei a ex-jornalistas de várias idades foi interessante constatar que a grande parte escolhia a profissão sem grandes ilusões. Sabiam, à partida, que não iam ingressar numa “grande carreira”, pelo menos no que respeita à sua remuneração, mas optavam ainda assim por esta devido a uma vocação. E as motivações que conduziam ao abandono da profissão não se prendiam apenas com uma fuga ao desemprego e à precariedade, mas ao confronto com um tipo de trabalho cada vez mais estandardizado, repetitivo e exercido a contrarrelógio.

Como é que surgiu esta oportunidade de ires para a FCSH? Qual o departamento ou unidade de investigação que vais integrar

Vou integrar o ICNOVA. Trata-se de um centro com uma atividade bastante dinâmica e com um grande número de investigadores a desenvolver trabalhos relevantes nas áreas dos media e jornalismo, com os quais espero vir a colaborar.

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E depois de um ano descontinuado? Implicações da pandemia de Covid-19 para a cultura ao vivo

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Teresa Duarte Martinho, ICS-ULisboa

“Celebrity Solstice. Theatre.” by Tom Mascardo 1 is licensed under CC BY-ND 2.0

Um ano após o surgimento dos primeiros sinais de Covid-19, e do confinamento instituído pela declaração do carácter pandémico da doença, distinguem-se alguns contornos das transformações ocorridas em dimensões diversas da realidade social, que originam questionamentos e prenunciam mudanças. A pandemia lançou às sociedades o desafio principal de enfrentar a liberdade humana, destacou, em entrevista, Steve Fuller, sociólogo e orador convidado na conferência interdisciplinar que organizámos no ICS-ULisboa, no final de 2019, acerca das implicações da inteligência artificial e big data nos quotidianos, direitos humanos e na democracia. Quando a pandemia se dissipar, como vão definir a sua versão de normal? O problema torna-se muito mais exigente, de acordo com Fuller, para os regimes que têm defendido a liberdade, já que os outros supõem que, ultrapassado o vírus, reentram rapidamente na versão anterior.

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A fissura na catástrofe: Animais, incêndios florestais e a resignificação da vulnerabilidade

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Verónica Policarpo, ICS-ULisboa

Em junho de 2017 fazia um calor sufocante. Por isso agarrei em mim e resolvi apanhar um avião para Milão. Fiel ao meu hábito de o fazer de vez em quando, para abrir espaço a outras vozes de dentro e fora, desliguei o telemóvel durante os três dias de viagem. E talvez isso explique parte do meu grande espanto. Ou talvez não. Nesse fim de semana de 16 de junho o país inteiro acordou em estado de choque. Para mim, a catástrofe começou a anunciar-se no voo de regresso, o avião sobrevoando o espaço aéreo português. Debruçando-me do meu assento à janela, comecei a contar as inúmeras fogueiras espalhadas pelo nosso território, como pirilampos trágicos pousados na noite, enquanto qualquer coisa me apertava cá dentro. Mas sabem como é: do ar, visto à distância só digna dos deuses, até o mais sinistro sinal tem o seu quê de beleza. E talvez isso tenha adiado o choque. Para a manhã seguinte, quando liguei finalmente a televisão, e aí vi a devastação das chamas, com a sua pesada taxa de mortos. Mal sabia eu, mal sabíamos todos, que era apenas o início.

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Uma espécie de diário de campo em tempos de pandemia: A vida continua e vai ficar tudo bem?

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Andreia Nascimento, doutoranda em Sociologia no ICS-ULisboa


Era aluna do 5.º e último ano do curso de sociologia quando, em plena pausa letiva de Natal, o meu pai morreu. Ele dizia frequentemente, embora raramente à minha frente, “Sou um pai orgulhoso. Tenho uma filha na universidade (e um filho no infantário)”, apesar de não ter seguido aquilo que ele considerava ser um curso com futuro, Direito. Era a primeira, do lado da família paterna, a frequentar o ensino superior.

Aos 17 anos, celebrados cerca de 15 dias antes, parti rumo a Lisboa numa época em que a TAP gentilmente não vendia o lugar central como resultado da sua política de conforto (qual medida de contingência face à COVID -19!) e dos telefonemas para a família após as 21h00 por ser mais económico. De levar comigo um cartão multibanco emprestado para a gestão orçamental longe de casa ser mais fácil e do depósito mensal de centenas de contos oriundos da conta da minha mãe, a quem telefonava sempre que as saudades eram grandes e o saldo pequeno – era tudo tão novo e empolgante.

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Quem tem animais, tem espaço dentro de si

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Verónica Policarpo, ICS-ULisboa

Almoço de domingo, numa cozinha do Portugal rural, 1980. À longa mesa, reúne-se com alarido a grande família feita de muitos irmãos, cunhados e crianças, e encabeçada pelos patriarcas Maria e José (são mesmo estes os seus nomes, não surpreendentemente…). Da capital vieram os filhos para aí migrados há várias décadas, e que da vida rural guardam apenas as memórias de infância, reconstruídas com alguma fantasia, a cada serão, à lareira. De vez em quando, há visitas. E hoje, uma visita especial: é a “Tia do Estoril” que vem visitar a irmã e respetiva família, a matriarca Maria. Como o seu petit nom indica, a “Tia do Estoril” assim se chama porque migrou para o Estoril, e por lá abriu uma loja e fez vida, ao contrário da irmã que permaneceu na aldeia. Casou duas vezes, não teve filhos, chega envolta em casacos longos, e traz sempre uma companhia especial: a Babá, uma pequena Pinscher, aninhada no colo. A Tia reclama para a Babá um lugar à mesa, senta-a entre si e o marido. O olhar da matriarca Maria tolda-se, torce o nariz. Nesta casa, os cães são queridos e fiéis companheiros de trabalho, mas ficam “lá fora”, no quintal, na quinta. É lá que está o Badaró, fiel pastor alemão, cão de guarda da quinta, aguardando pacientemente que a noite chegue, para fazer a sua ronda. Agora, um cão sentado à mesa é coisa que nunca se viu. Mas o desconforto é absorvido pela efervescência do momento: o barulho das crianças, a alegria dos adultos em visita, o império do consenso familiar, em delicado equilíbrio que é preciso manter. A harmonia é conseguida pela naturalização de um comportamento atribuído à excentricidade da sua protagonista: afinal, a Tia do Estoril é uma pessoa em tudo diferente. Ter um cão que traz ao colo, e que come à mesa, é só mais uma das extravagâncias que dela fazem uma peça aparentemente desencaixada deste puzzle familiar.

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À espera de a vida real reiniciar…

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Madelon Schamarella, doutoranda em Sociologia no
Programa de Doutoramento Inter-Universitário OpenSoc

Este é o Mac, meu computador, parceiro de investigação e da vida digital. Numa tarde, na passada quarta-feira, Mac avariou… escreveu uma mensagem no ecrã dizendo: disco rígido cheio…

Num gesto claro de exaustão, desligou-se deixando apenas uma tentativa de reiniciar pela metade; o que mais me pareceu o símbolo da incompletude da vida moderna. Mas como pode um Mac avariar? Eu pensei que ele fosse forte. Como eu conseguirei recuperar meus ficheiros? Como dar continuidade à minha agenda profissional e aos meus compromissos académicos? Como solicitar os serviços de reparo neste período de encerramento parcial do comércio? Parece que muitas das minhas perguntas ficariam sem respostas durante esta pandemia.

Os ecrãs da minha casa. Foto: Madelon Schamarella

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On life: quando é que sabemos demais?

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Sara Merlini, Centro Interdisciplinar de Estudos de Género (ISCSP / ULisboa)

O Verão passado foi vivido intensamente cá em casa. A fase do doutoramento tinha acabado e os tempos turbulentos também. Antes disso, disseram-me que tínhamos sobrevivido a desafios “pouco recomendados” para a nossa idade… O que teríamos nós prevenido e quantos excessos cometemos? A palavra sobre-vivência foi a única que se encaixou na minha descrição de tudo, porque (só) viver implicaria um tipo de usufruto que, de certo modo, nos esteve vedado. Ou melhor, que foi sendo vivido por nós de uma forma muito peculiar. Esses horizontes de expectativa e espaços da experiência, sempre particulares e moldados em função de temporalidades e exigências, amadurecem-nos, constrangem-nos e formatam-nos, às vezes ao ponto da cegueira… Continuar a ler

A solidariedade não pode entrar em quarentena

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Maria Teresa Nobre, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Brasil)

 

Fique em casa, lave bem as mãos, use álcool gel, alimente-se, hidrate-se, durma bem. Mantenha distância das pessoas, use máscara, saia apenas para resolver questões essenciais, higienize as compras antes de guardá-las. Essas recomendações chegam-nos todos os dias, inúmeras vezes, através de todas as mídias, de modo que diante do pânico e da insegurança, para muitos o mais difícil não é ficar em casa, mas voltar para ela, como relatou-me um amigo por estes dias: “saímos tensos e voltamos estressados. Limpa tudo, lava tudo, sapatos no corredor”.

Mas… e para quem não tem casa e depende dos serviços públicos ou filantrópicos para alimentar-se, dormir, fazer higiene pessoal e até beber água?

Mesmos em tempos normais, a oferta desses serviços já era imensamente inferior à demanda de milhares de pessoas em situação de rua/sem abrigo no Brasil, que em 2015 já passavam dos 100 000, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

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Viaduto do Baldo, em Natal (Brasil), onde vivem cerca de 30 pessoas em situação de rua. Foto: Maria Teresa Nobre (acervo pessoal) Continuar a ler

Diário do novo normal

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Sofia Aboim, ICS-ULisboa

Há pouco mais de três meses ninguém, ou quase ninguém sabia, que o vírus existia. A vida era simplesmente “normal” porque transcorria sem mais sobressaltos do que habitualmente. De um momento para o outro, tudo mudou deixando entrar um inesperado caos que trouxe consigo sentimentos de incerteza e insegurança, duas emoções que custam a digerir e se apresentam como um abalo estranho que nos desencaixa dos mundos e rotinas a que nos habituámos. Somos afinal seres de hábitos, como a sociologia tão bem nos mostra. Os riscos desconhecidos causam turbulência e estranheza.

Em 1992, Ulrich Beck advertia-nos que os perigos e inseguranças da sociedade contemporânea moderna são ainda mais sérios e perversos do que os que ameaçavam os nossos antepassados a braços com os labores de uma sociedade industrial desigual, pobre, profundamente insalubre e marcada pelo recorrente infortúnio de infeções tão temíveis, quão arbitrárias. A ideia de risco teorizada por Beck encaixa-se no presente, mas não chega para interpretarmos o momento atual. Estamos afinal perante um trauma histórico e social profundo que marcará vidas e dividirá gerações entre um antes e um depois da pandemia. Continuar a ler

“Onde gastei, eu, hoje, o meu tempo?”

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Vanessa Cunha, ICS-ULisboa

Em plena crise pandémica, o meu relógio parou… o de pulso, o que anda sempre comigo para todo o lado. Parou às 7 horas e 10 minutos. Se da manhã ou da tarde, não sei (é um relógio analógico)… Mas ambos os horários são igualmente sugestivos, pois reenviam-me para a minha existência pré-COVID-19, para um tempo em que 7:10 era (mais coisa, menos coisa) a hora de acordar, com a ajuda do despertador, e em que 19:10 era (mais coisa, menos coisa) a hora de chegada do comboio, de regresso a casa, ao final de um dia de trabalho. Marcadores dos meus ritmos diários, há anos, muitos, apenas dispensados em fins-de-semana e em férias, tempos menos espartilhados por horários rígidos.

Quando o relógio parou fiquei apreensiva: “Logo agora, que está tudo fechado! Onde vou eu desencantar uma pilha?” É preciso dizer que gosto de usar relógio (é uma segunda pele, tal como os óculos) e sempre resisti a substituí-lo pelo versátil telemóvel, que entre tantas coisas que nos permite fazer, ver as horas é apenas uma delas. Não é, contudo, a mesma coisa, não está sempre à mão, ao subtil e natural(izado) rodar do pulso, e é tão dispersivo que não me transmite a segurança de que sou dona do meu tempo (cada qual com a sua mania…).

Vanessas watch

O relógio da Vanessa

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