LIFE nas CIÊNCIAS SOCIAIS EM PÚBLICO

Ciências Sociais em Público é uma parceria entre o ICS-ULisboa e o jornal Público, que resultou na publicação semanal de artigos temáticos no suplemento P2, ao longo de um ano, assinados por investigadoras e investigadores do ICS-ULisboa, com base em resultados de projetos de investigação que desenvolvem. Foram vários/as os/as investigadores/as do Grupo de Investigação LIFE – Percursos de Vida, Desigualdades e Solidariedades: Práticas e Políticas que participaram desta iniciativa, e cujos artigos voltamos a disseminar, agora no seu conjunto, um total de 10 textos.


Público – P2 | 21-03-2021
Série CIÊNCIAS SOCIAIS EM PÚBLICO (LI)
«Masculinidades sob escrutínio: o debate sobre a residência alternada»
Artigo de Vanessa Cunha

“Entre 2018 e 2020, a sociedade portuguesa foi palco de um (in)tenso debate. Uma petição entregue na Assembleia da República pedia a alteração do Código Civil quanto ao “exercício das responsabilidades parentais em casos de divórcio”. Seguiu-se uma onda de contestação, por quem entendia a reivindicação como inconciliável com a proteção das vítimas da violência familiar. Porquê esta contestação? E porque é que o debate continua em aberto?”

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Life nos media: janeiro-março 2021

Rubrica que destaca a voz de investigadores/as do LIFE Research Group nos media.


Público – P2 | 21-03-2021
Série CIÊNCIAS SOCIAIS EM PÚBLICO (LI)
«Masculinidades sob escrutínio: o debate sobre a residência alternada»
Artigo de Vanessa Cunha

“Entre 2018 e 2020, a sociedade portuguesa foi palco de um (in)tenso debate. Uma petição entregue na Assembleia da República pedia a alteração do Código Civil quanto ao “exercício das responsabilidades parentais em casos de divórcio”. Seguiu-se uma onda de contestação, por quem entendia a reivindicação como inconciliável com a proteção das vítimas da violência familiar. Porquê esta contestação? E porque é que o debate continua em aberto?”

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NOVA DATA |”Retratos de família” num cenário inicial da pandemia COVID 19 em Portugal | 30 Junho | 14h30




Na próxima terça-feira, dia 30 de junho 2020, o LIFE Webinars contará com a participação de Rita Gouveia, investigadora no ICS-ULisboa, que virá apresentar-nos os principais resultados do inquérito nacional sobre os impactos sociais da pandemia COVID 19 nos indivíduos e nas famílias em Portugal, na fase inicial de confinamento decorrente da declaração do Estado de Emergência. Este webinar estava inicialmente agendado para o dia 23 de junho mas, devido a problemas no servidor da ULisboa, teve de ser adiado.


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“Retratos de família” num cenário inicial da pandemia COVID 19 em Portugal | 23 Junho | 11h





Na próxima terça-feira, dia 23 de junho 2020, o LIFE Webinars contará com a participação de Rita Gouveia, investigadora no ICS-ULisboa, que virá apresentar-nos os principais resultados do inquérito nacional sobre os impactos sociais da pandemia COVID 19 nos indivíduos e nas famílias em Portugal, na fase inicial de confinamento decorrente da declaração do Estado de Emergência.


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A solidariedade não pode entrar em quarentena

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Maria Teresa Nobre, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Brasil)

 

Fique em casa, lave bem as mãos, use álcool gel, alimente-se, hidrate-se, durma bem. Mantenha distância das pessoas, use máscara, saia apenas para resolver questões essenciais, higienize as compras antes de guardá-las. Essas recomendações chegam-nos todos os dias, inúmeras vezes, através de todas as mídias, de modo que diante do pânico e da insegurança, para muitos o mais difícil não é ficar em casa, mas voltar para ela, como relatou-me um amigo por estes dias: “saímos tensos e voltamos estressados. Limpa tudo, lava tudo, sapatos no corredor”.

Mas… e para quem não tem casa e depende dos serviços públicos ou filantrópicos para alimentar-se, dormir, fazer higiene pessoal e até beber água?

Mesmos em tempos normais, a oferta desses serviços já era imensamente inferior à demanda de milhares de pessoas em situação de rua/sem abrigo no Brasil, que em 2015 já passavam dos 100 000, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

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Viaduto do Baldo, em Natal (Brasil), onde vivem cerca de 30 pessoas em situação de rua. Foto: Maria Teresa Nobre (acervo pessoal) Continuar a ler

Diário do novo normal

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Sofia Aboim, ICS-ULisboa

Há pouco mais de três meses ninguém, ou quase ninguém sabia, que o vírus existia. A vida era simplesmente “normal” porque transcorria sem mais sobressaltos do que habitualmente. De um momento para o outro, tudo mudou deixando entrar um inesperado caos que trouxe consigo sentimentos de incerteza e insegurança, duas emoções que custam a digerir e se apresentam como um abalo estranho que nos desencaixa dos mundos e rotinas a que nos habituámos. Somos afinal seres de hábitos, como a sociologia tão bem nos mostra. Os riscos desconhecidos causam turbulência e estranheza.

Em 1992, Ulrich Beck advertia-nos que os perigos e inseguranças da sociedade contemporânea moderna são ainda mais sérios e perversos do que os que ameaçavam os nossos antepassados a braços com os labores de uma sociedade industrial desigual, pobre, profundamente insalubre e marcada pelo recorrente infortúnio de infeções tão temíveis, quão arbitrárias. A ideia de risco teorizada por Beck encaixa-se no presente, mas não chega para interpretarmos o momento atual. Estamos afinal perante um trauma histórico e social profundo que marcará vidas e dividirá gerações entre um antes e um depois da pandemia. Continuar a ler

“Onde gastei, eu, hoje, o meu tempo?”

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Vanessa Cunha, ICS-ULisboa

Em plena crise pandémica, o meu relógio parou… o de pulso, o que anda sempre comigo para todo o lado. Parou às 7 horas e 10 minutos. Se da manhã ou da tarde, não sei (é um relógio analógico)… Mas ambos os horários são igualmente sugestivos, pois reenviam-me para a minha existência pré-COVID-19, para um tempo em que 7:10 era (mais coisa, menos coisa) a hora de acordar, com a ajuda do despertador, e em que 19:10 era (mais coisa, menos coisa) a hora de chegada do comboio, de regresso a casa, ao final de um dia de trabalho. Marcadores dos meus ritmos diários, há anos, muitos, apenas dispensados em fins-de-semana e em férias, tempos menos espartilhados por horários rígidos.

Quando o relógio parou fiquei apreensiva: “Logo agora, que está tudo fechado! Onde vou eu desencantar uma pilha?” É preciso dizer que gosto de usar relógio (é uma segunda pele, tal como os óculos) e sempre resisti a substituí-lo pelo versátil telemóvel, que entre tantas coisas que nos permite fazer, ver as horas é apenas uma delas. Não é, contudo, a mesma coisa, não está sempre à mão, ao subtil e natural(izado) rodar do pulso, e é tão dispersivo que não me transmite a segurança de que sou dona do meu tempo (cada qual com a sua mania…).

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O relógio da Vanessa

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A Onda

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Ana Nunes de Almeida, ICS-ULisboa

E de repente, a onda que se abate sobre nós. Víamo-la distante, esquecendo que a globalização encurta o horizonte e o acelera. Víamo-la nos outros, esquecendo que os outros somos nós também. E era como se a nossa capacidade racional de pensar o mundo nos impedisse de prever que um pequeníssimo vírus, invisível e silencioso, tivesse o poder de suspender o mundo em poucas semanas. E de repente, a onda começou a cair na nossa praia também. Com mansidão, fechámo-nos em casa. De surpresa, de um dia para o outro. Afinal, começávamos a sentir na pele que o risco, aquilo sobre o que tanto teorizamos, é mesmo para levar a sério. Ou seja, existe, e existe naquele seu nível mais fundo: perder ou salvar a vida.

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Foto de Ana Nunes de Almeida

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Infâncias brasileiras, educação e sentidos de futuro

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Levindo Diniz Carvalho é professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minais Gerais e investigador-visitante no ICS-ULisboa.


A reflexão sobre a infância, educação e sentidos de futuro constitui um instigante desafio, em particular para nós, pesquisadores brasileiros, em um contexto de retrocesso na conquista de direitos sociais, barbárie nas condições de vida das crianças pobres e do risco que se anuncia na implantação de uma visão reducionista e dogmática para as políticas educacionais.

Emblemáticas imagens da infância brasileira informam a complexidade dos  modos de vida de nossas crianças, e exemplificam a trama simbólica em que são tecidas suas experiências em uma sociedade cindida e desigual que conforma distintas e diversas formas de se viver esse ciclo da vida.

Nesse horizonte, as interrogações da sociologia da infância procuram tomar as crianças como o seu centro de interesse, superarando o paradigma biológico: em um nível de análise estrutural buscam compreender a infância como geração. A sociedade, tal como é atravessada por clivagens de classes sociais, dicotomias de gênero, identidades étnicas etc., assenta também em uma ordem geracional, em que coexistem adultos e crianças, “adultez” e infância opondo-se enquanto categorias binárias dessa ordem. Pode-se então dar visibilidade às crianças considerando-as a parte dominada e subalterna dessa ordem geracional, mostrando como elas não têm os mesmos direitos de cidadania dos adultos e que estão também afastadas do acesso aos recursos econômicos.

Entretanto, a criança não está passivamente submetida a essa estrutura. Como sujeito social ativo, ela exerce uma “agência” (agency) nas relações sociais. Esta perspectiva interpretativa evidencia como esses sujeitos constroem processos de subjetivação próprios por meio de sua produção simbólica, estabelecendo interações com os adultos e com seus pares, que as levam a “reproduzir interpretativamente” e recriar a cultura mais ampla e a própria cultura escolar.

No contexto brasileiro, as investigações sobre infância nas ciências sociais informam a complexa realidade da infância e os inseguros mundos de vida das crianças. Ainda que tenhamos tido avanços inéditos, sobretudo na primeira década dos anos 2000, no Brasil, seis em cada dez crianças vivem na pobreza – isto é, aproximadamente 32 milhões de pessoas (PNAD 2015). Dessas, 24 milhões além de viverem com renda insuficiente, têm um ou mais direitos negados, como moradia, água, educação, exploração do trabalho, sendo o saneamento básico a privação mais recorrente.

Os dados mais recentes apontam para a rápida deterioração das condições de vida da criança no Brasil após 2016. Registra-se, por exemplo, o aumento da mortalidade infantil após 20 anos de queda contínua. Observa-se, assim, a fragilidade das conquistas de direitos pela criança, num país onde a democracia é ainda recente e a desigualdade sócio-racial é histórica e persistente.

É das franjas mais empobrecidas da nossa população que se escuta, em uma etnografia, a instigante frase de Ana, uma menina de 6 anos, vítima de violência  doméstica e negligência. À época, a criança já havia vivido por alguns meses em uma instituição de acolhimento, um abrigo, e também com duas diferentes  famílias que faziam parte de um programa chamado ”famílias acolhedoras” cujo objetivo era abrigar crianças. É em uma atividade de produção de desenhos na escola que a menina tematiza o seu complexo mundo social, desenha as diferentes casas em que já morou e, ao olhar repetidas vezes para o desenho, diz: “Eu queria mesmo era morar em um caminhão de biscoito”.

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Desenho de Ana representando as portas casas onde já viveu
Fonte: Carvalho 2015

Apontada como ‘a problemática’, ‘sem futuro’, ‘a suja’ e/ou ‘a coitadinha’ da escola, Ana não é uma metáfora sobre a vulnerabilidade e a pobreza na infância. Ana é uma realidade, um sujeito concreto, sendo representativa de uma geração que teve recente acesso à educação, mas ainda enfrenta a luta cotidiana pelas condições objetivas da vida.

Por outro lado, pelo o fato de estar em uma escola que em tempo integral (ou a “tempo inteiro”), a condição social de Ana ganha visibilidade: ela demanda práticas de cuidado e higiene, passa se a alimentar melhor graças à escola,  mas sobretudo desafia a escola e o papel dessa instituição como agente articulador da rede de proteção social. Sua presença nos convoca, portanto, a ultrapassar uma análise binária acerca da função da escola – ensino versus proteção social;  cidadania escolar versus cidadania plena;  alargamento dos currículos e  diálogos ‘com’ e ‘no’ território versus crença na função única da escola.

Entretanto, o caso de Ana não encerra a imagem da criança pobre brasileira e seus direitos. Ainda que também pontualmente, vale lembrar que temos no Brasil um original exemplo de participação ativa das crianças na cena social: o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), que tensionou, no final da década de 80 e 90, as ideias sobre as crianças em situação de rua: ‘menores?’; ‘Abandonados?’; ‘Infratores?’.

A participação das crianças no MNMMR deu-se num momento de redemocratização do país e de conquista de direitos, em que o movimento teve papel fundamental  na elaboração e aprovação da Estatuto da Criança e Adolescente, marco legal que institui a noção da proteção integral.  A celebração dos 30 anos da Convenção Internacional dos Direitos da Criança (UNCRC), que acontece em 2019, constitui um precioso momento de reflexão sobre os resultados de sua implementação, expresso nas condições de vida das crianças dos países signatários.

A produção acadêmica sobre o tema revela que o protagonismo dos meninos e meninas de rua na definição e conquista de seus direitos, demonstra, inclusive, uma concepção menos adultocêntrica do que a participação preconizada pela declaração Tal  movimento informou também  novas  lógicas de governança e de afirmação dos direitos da criança e poderia, assim, como o contemporâneo movimento dos “Sem Terrinha”,  inspirar lentes sociológicas sobre a criança, sua agência e  incidência  em políticas e práticas de educação.

 São, entre outras tantas possíveis de serem aqui evocadas, essas diferentes crianças e infâncias que estão em nossas escolas. Diversidade cujos campos da sociologia da Educação e Sociologia da infância, em suas tensas articulações, assumem a tarefa de compreender, na polifonia de suas vozes e as condições conjunturais em que seus discursos são produzidos. Um desafio teórico, epistêmico e metodológico em muitos casos ainda por ser decifrado.

Uma breve aproximação das realidades paradoxais das crianças brasileiras e suas escolas, nos inquieta e nos exige afirmar a necessidade de uma educação inscrita no amplo campo das políticas sociais, lócus de enfrentamento de desigualdades sociais. Esse foi, em alguma medida, o caminho percorrido pelo Brasil entre anos 2003 a 2013.

Entretanto o retrocesso que o Brasil apresenta nesse momento histórico mobiliza a todos nós com grande preocupação. Jair Bolsonaro, presidente eleito nas eleições de 2018 e vinculado à ultradireita, defende, entre outras aberrações, a revisão do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O líder de Estado chegou a afirmar que ECA deveria “ser cortado em pedaços e jogado no vaso sanitário“. Já nos cinco primeiros meses de mandato, as atuais políticas educacionais caminham para a precarização da oferta da educação pública, criminalização dos professores e para militarização de escolas. Um revés que atinge diretamente a população mais pobre do país.

No desejo de que não nos furtemos do nosso compromisso ético, pergunto: Que sentidos de futuro podemos vislumbrar para as crianças brasileiras neste final da segunda década dos anos 2000? Oxalá possamos avançar em nossos trabalhos na compreensão da singularidade da infância e sua presença na cena social e, assim, encontrar respostas à esta indagação. Mas também que possamos, a partir das nossas lentes,  colaborar, de maneira enfática e posicionada, no engajamento político e pela defesa de seus direitos como crianças.


Como citar este artigo: Carvalho, Levindo Diniz  (2019). Infâncias brasileiras, educação e sentidos de futuroLife Research Group Blog, ICS Lisboa, https://liferesearchgroup.wordpress.com/2019/05/09 09 de Maio de 2019 (Acedido a xx/xx/xx)

A bricolage afetiva em processos de mobilidade social: That’s what friends are for…

ritaRita Gouveia é Investigadora em Pós-Doutoramento no ICS-ULisboa


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Versão em português

A amizade é usualmente caracterizada como o arquétipo da escolha, da igualdade e do privado na esfera das relações pessoais. Na sociologia, bem como em outras disciplinas, a amizade tem sido tratada e reconhecida, de forma marginal, enquanto objeto de estudo que também permite aos cientistas sociais analisar temas mais sólidos e clássicos do pensamento sociológico, tais como relações de poder, processos de mobilidade social e desigualdades estruturais. A amizade, tal como o amor e os afetos em geral, tem sido tratada como o “parente pobre” na investigação sociológica. Continuar a ler