A solidariedade não pode entrar em quarentena

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Maria Teresa Nobre, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Brasil)

 

Fique em casa, lave bem as mãos, use álcool gel, alimente-se, hidrate-se, durma bem. Mantenha distância das pessoas, use máscara, saia apenas para resolver questões essenciais, higienize as compras antes de guardá-las. Essas recomendações chegam-nos todos os dias, inúmeras vezes, através de todas as mídias, de modo que diante do pânico e da insegurança, para muitos o mais difícil não é ficar em casa, mas voltar para ela, como relatou-me um amigo por estes dias: “saímos tensos e voltamos estressados. Limpa tudo, lava tudo, sapatos no corredor”.

Mas… e para quem não tem casa e depende dos serviços públicos ou filantrópicos para alimentar-se, dormir, fazer higiene pessoal e até beber água?

Mesmos em tempos normais, a oferta desses serviços já era imensamente inferior à demanda de milhares de pessoas em situação de rua/sem abrigo no Brasil, que em 2015 já passavam dos 100 000, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

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Viaduto do Baldo, em Natal (Brasil), onde vivem cerca de 30 pessoas em situação de rua. Foto: Maria Teresa Nobre (acervo pessoal) Continuar a ler

O trabalho sexual feminino, por Roseli Bregantin Barbosa

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Damos as boas-vindas a Roseli Bregantin Barbosa, doutoranda visitante no ICS-Lisboa e integrada no GI LIFE, sob a supervisão de Vitor Sérgio Ferreira.  Desenvolve a sua pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Sociologia, na área de Políticas Públicas e Mudanças Sociais, da Universidade Federal do Paraná (Brasil), orientada por Maria Tarcisa Silva Bega e Miriam Adelman.

Em que consiste o teu projeto de investigação?
Meu projeto consiste em analisar a relação entre a feminização do mercado de trabalho e as demandas por mudanças no estatuto do trabalho sexual feminino, mais especificamente busca perceber como o Estado se posiciona frente tais demandas, na esfera das políticas públicas. Continuar a ler

Reading ‘LESBIAN ACTIVISM IN THE (POST-)YUGOSLAV SPACE: SISTERHOOD AND UNITY’

CAP


eduardaEduarda Ferreira is a researcher of CICS.NOVA – Interdisciplinary Centre of Social Sciences, at FCSH/NOVA (e.ferreira@fcsh.unl.pt)


‘Lesbian activism in the (Post-) Yugoslav space: sisterhood and unity’, edited by Bojan Bilić and Marija Radoman and published by Palgrave Macmillan (2018), is an important book for many reasons. Because it is about a geopolitical reality that still needs to be claimed and understood, the (post-)Yugoslav space; because it is about activism on a time that is ever more urgent to stand up and resist the backlash on human rights; because it is about discrimination on ground of sexual orientation, still a widespread reality in most countries all around the world; because it is specifically about lesbians and gender matters in all contexts of life including, or even particularly, in what concerns sexuality and human rights; because although it is written in English it is not a book that (re)produces the Anglo-American hegemony on academia and production of knowledge, it uses English as a working language to expose Yugoslav activist struggles to international audiences. Continuar a ler

Ocupar e resistir

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Celecina de Maria Veras Sales é professora na Universidade Federal do Ceará  e investigadora-visitante no ICS-ULisboa.


 

IMG_5256Crise, golpe, fascismo, empurram a juventude a beira do abismo e a desesperança quer ocupar seu território existencial, mas algo se passa, afeta, é hora de fazer alguma coisa. Chegou o momento de descobrir e inventar novos territórios. Em um processo dinâmico que não significa se fixar, mas produzir mudança, foi o que aconteceu nas Ocupações das escolas e universidades no Brasil. Isso nos instiga a pensar que ocupar é política, é aprendizagem, é arte, é criar laços, é reacender sonhos e criar uma nova forma de fazer política.

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Era fim da tarde do dia 3/11/2016, quando o cruzamento de duas grandes avenidas na hora do rush, ganhou novo cenário pela intensa movimentação de jovens universitários que estavam a chegar ao pátio da reitoria para realizar a assembleia estudantil no espaço da concha acústica. Que pauta poderia chamar 2 mil jovens em dia de pós-feriado? A convocação foi a discussão da PEC 241/55, Proposta de Emenda Constitucional em tramitação que estava a propor congelar as despesas do governo federal por até 20 anos, inclusive saúde e educação. Continuar a ler

“De quem é a escola? A quem a escola pertence?”: estudantes secundaristas e a ocupação das escolas no Paraná, em 2015

7.pngValéria Floriano é professora na Universidade Federal do Paraná (UFPR, Brasil) e investigadora-visitante no ICS-ULisboa.


A frase que dá o título a este post, foi pronunciada numa voz embargada e decidida pela estudante secundarista Ana Julia. Foi assim, provocando a audiência, que iniciou o seu discurso na tribuna da Assembleia Legislativa do  Estado do Paraná, em defesa das ocupações das escolas.  Era o dia  26 de outubro de 2016 e o movimento de ocupações, deflagrado, em 03 de outubro, contava com 850 escolas ocupadas, 14 Universidades e 3 Núcleos de educação.

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Mas afinal, que movimento foi esse que precisava ser defendido em audiência pública?

Para começar, não creio que seja possível compreender o movimento dos estudantes secundaristas e a potência do processo de ocupações das escolas, sem lembramos do contexto que antecedeu a denominada “Primavera Secundarista” (teaser) Continuar a ler

OCUPAR A ESCOLA, OCUPAR A POLÍTICA: QUESTÕES, SURPRESAS, ALENTOS

miriam.pngMiriam Leite é professora na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ, Brasil) e investigadora-visitante no ICS-ULisboa.


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Desde 2015, diversos estados do país têm assistido a ocupações de escolas públicas por suas estudantes, sobretudo, secundaristas, mas também com presença de ativistas dos últimos anos do ensino fundamental. Mobilizam-se por questões com importante dimensão local – como, por exemplo, por voz e democracia nas escolas, contra a chamada “reorganização escolar”, em 2015, em São Paulo, ou em reação às decorrências do severo corte de verbas para a Educação ocorrido no contexto de falência financeira do estado do Rio de Janeiro, em 2016 – mas também em resposta a iniciativas conservadoras em nível nacional, como a emenda constitucional promulgada em dezembro de 2016, que congelou os gastos públicos por 20 anos, e por lutas ainda mais amplas, como pelos direitos das mulheres, das pessoas negras, lgbt, jovens, pobres.

Pobre, sempre falaram isso pra mim, pobre, preta, sapatão e estuda em colégio público. Tudo pra dar errado. A gente vê todos os preconceitos numa coisa só, numa coisa só, entendeu? (Aluno[1], 16 anos, 2ª série, Grande Rio 1)

Tive o privilégio de pesquisar sobre essa ação política, de que me aproximei por diversos caminhos: páginas do Facebook mantidas pelas ocupações, vídeos no YouTube produzidos por ou sobre o movimento, visitas a escolas ocupadas na região do Grande Rio, e discussões com grupos de ativistas das escolas visitadas (gravadas e transcritas). De fato, um privilégio. Continuar a ler