Life nos media: janeiro-março 2021

Rubrica que destaca a voz de investigadores/as do LIFE Research Group nos media.


Público – P2 | 21-03-2021
Série CIÊNCIAS SOCIAIS EM PÚBLICO (LI)
«Masculinidades sob escrutínio: o debate sobre a residência alternada»
Artigo de Vanessa Cunha

“Entre 2018 e 2020, a sociedade portuguesa foi palco de um (in)tenso debate. Uma petição entregue na Assembleia da República pedia a alteração do Código Civil quanto ao “exercício das responsabilidades parentais em casos de divórcio”. Seguiu-se uma onda de contestação, por quem entendia a reivindicação como inconciliável com a proteção das vítimas da violência familiar. Porquê esta contestação? E porque é que o debate continua em aberto?”

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LIFE Seminar | 10 de Dezembro 2019

No próximo dia 10 de Dezembro o ciclo de seminários do grupo de investigação LIFE vai contar com a presença de Flávia Brocchetto Ramos, Investigadora Visitante no ICS-ULisboa, que irá apresentar o seu trabalho (em co-autoria com Lovani Volmer) A voz e o protagonismo de estudantes juvenis brasileiros: análise do projeto “Outros olhares”. A entrada é livre.

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Aprendizagem no cotidiano escolar: direitos, experiências e reflexões discentes

car.pngCaroline Caldas Lemons é doutoranda-visitante no ICS-ULisboa, proveniente da Universidade de Caxias do Sul/RS – Brasil.


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Ao realizar a pesquisa do Mestrado em Educação sobre o direito à educação no Brasil no âmbito da educação formal, escutei muitas vezes nas narrativas de professores e professoras da Educação Básica de uma Rede Municipal de Ensino no extremo sul do Brasil a queixa de que os/as estudantes não aprendem. Como pesquisadora e professora da Educação Básica, essa percepção de que o ensino não surte o efeito esperado na aprendizagem me deixou bastante intrigada e que fez querer saber:

O que está sendo apreendido pelos/as estudantes em decorrência do ensino? O que os/as jovens têm a dizer sobre suas aprendizagens? Que aprendizagens escolares têm sido consideradas mais significativas por eles/as e por seus/suas professores/as? Será que, de algum modo, os docentes não (re)conhecem as aprendizagens discentes?

Mobilizada por essas perguntas, aventurei-me na tarefa de construir um conhecimento sobre a aprendizagem no cotidiano escolar a partir dos direitos, das experiências e das reflexões discentes sobre a própria aprendizagem. Sabendo que construir respostas a esses questionamentos envolve aprofundamento teórico em relação ao(s) modo(s) como a aprendizagem é concebida pelos professores/as e pelos/as estudantes, seja na perspectiva do direito, seja na perspectiva das experiências que para ela se volta, essa foi a minha proposta de investigação para o doutoramento em Educação.

Aprofundando achados do estudo anterior, dentre os quais o que destacou a potencialidade da intervenção pedagógica para a efetivação do direito à educação, tenho me debruçado sobre cinco culturas de intervenção pedagógica que consegui categorizar a partir da minha tese de mestrado, buscando conhecer as derivações, os desvios e as potencialidades que as mesmas adquirem na efetivação da aprendizagem. Essas culturas de intervenção pedagógica, descobri também, carregam em si elementos que, nas práticas, não se alteram, independentemente da legislação educacional e/ou dos sujeitos para as quais se voltam.

Pela permanência temporal e pelos elementos cristalizados, as cinco culturas de intervenção pedagógica a que cheguei são as seguintes: culturas de (a) reprodução, (b) recomendação, (c) disciplina, (d) outorga/transferência e (e) emancipação, conforme explicito brevemente abaixo com alguns exemplos das narrativas docentes que auxiliaram nas suas construções.

(a) Culturas de reprodução: Dizem respeito às iniciativas e proposições docentes que não ultrapassam a dimensão da reprodução de conteúdos, das experiências e dos modos de ensinar e avaliar explorados maciçamente nas últimas décadas (em que, ainda que ocorram adequações, são raras ou pouco significativas as reinvenções).

“Porque não adianta, se o aluno apresentou uma dificuldade, eu retomar da mesma forma”; “O sistema tem que se reinventar”.

(b) Culturas de recomendação: Correspondem às variadas indicações, conselhos e recomendações que os/as professores/as fazem aos/às estudantes em relação aos modos de aprender, cuidar de si, acessar a informações, construir relações entre seus conhecimentos e a realidade social ou ainda cuidar dos outros, dentro ou fora da escola.

“Trabalhar como pagar uma conta, arrumar uma cama, lavar uma louça”; “Ver os alunos na faculdade e/ou em um bom emprego”.

(c) Culturas de disciplina: Exemplificam práticas de intervenção pedagógicas voltadas tanto para a sujeição discente quanto para o exercício de sua cidadania frente aos regramentos sociais em geral, ou seja, tanto no sentido de dificultar ou impedir a sua expressão quanto no sentido de mostrar maneiras responsáveis, organizadas e respeitosas de estar no mundo e com os outros.

 “Os alunos que não querem estudar atrapalham os colegas”; “Não se aprende só na sala de aula, só sentado”.

(d) Culturas de outorga/transferência: Relacionam-se às práticas voltadas para a transferência total da responsabilidade docente com vistas a não assumi-la (quando delega a outro – membro da escola, da família ou profissional – a responsabilidade profissional que lhe cabe) e/ou transferência parcial da responsabilidade docente, cujo objetivo é congregar esforços para que as potencialidades discentes possam ser plenamente desenvolvidas.

“[Seriam necessários] profissionais da saúde à disposição da educação/escola”; “Não ter formação nem auxílio de especialistas para identificar ou diagnosticar alunos que apresentam limitações de aprendizagem”.

(e) Culturas de emancipação: Reúne as reinvenções docentes, a ampliação dos modos de socialização e dos estímulos às descobertas que, em geral, fogem das condutas mais tradicionais exemplificadas, pois carregam o inusitado, conduzem a novos arranjos pedagógicos, apostam em projetos voltados para o desenvolvimento da criatividade, buscando tornar concreta a ideia de autoformação integral dos sujeitos em processo de escolarização.

“Situações de alunos sendo oficineiros”; “A prova e o final não existem”; “Esse respeito à individualidade, ao ritmo de cada um para aprender […]”.

Bem, se no âmbito jurídico, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 no Brasil, a educação é um direito subjetivo universal e inviolável a que todos podem pretender e, se no âmbito social, a prática pedagógica deve orientar-se pelo conjunto de políticas educacionais vigentes, sendo importante adequá-las a diversidade cultural característica da progressiva escolarização de crianças e jovens em todo o país, carece problematizar:

Se o público escolar foi alterado e algumas práticas de intervenção pedagógica permanecem sendo acionadas, quais seus potenciais para a construção das aprendizagens juvenis? O que há entre a intervenção pedagógica e a aprendizagem dos estudantes quando os professores/as queixam-se da não aprendizagem? Quais são as derivações dessas intervenções no âmbito do cotidiano da Educação Básica? Que aspectos são potenciais na efetivação do direito à aprendizagem?

A aprendizagem, ao tornar-se protagonista das relações que devem ser estabelecidas no cotidiano escolar, portanto, centro do processo educativo, precisa estar presente na intencionalidade e nas ações pedagógicas. Contudo, se os/as docentes queixam-se de que nem sempre alcançam os resultados esperados e mesmo assim não alteraram substancialmente elementos de suas práticas, talvez, entre outras razões, haja falta de um horizonte comum entre as expectativas docentes e discentes quando se trata da aprendizagem.

Certamente, efetivar a aprendizagem para todos/as, consideradas todas as diversidades (sociocultural, cognitiva, biológica), não só torna a tarefa imensa e complexa – talvez até utópica para alguns – quanto exige muitos investimentos, dentre os quais o diálogo. Acredito que uma relação pedagógica dialógica entre docentes e discentes possa auxiliar a compreensão sobre quê aprendizagens têm sido mais significativas para a constituição dos saberes discentes, ou mesmo que elementos não percebidos ou reconhecidos pelos docentes têm sido potenciais nesse processo.

Nesta perspectiva, pretendo adentrar o espaço escolar, observar o cotidiano da Educação Básica e estabelecer um diálogo reflexivo com professores (as) e estudantes acerca de suas compreensões sobre os processos de ensino e aprendizagem. Esta é a forma escolhida para construir respostas à seguinte problemática de pesquisa: “A partir do ponto de vista dos estudantes da Rede Municipal de Ensino de Caxias do Sul, como as culturas de intervenção pedagógica de reprodução, recomendação, disciplina, outorga e emancipação potencializam a aprendizagem?”.

Para alcançar a percepção dos jovens sobre suas experiências de aprendizagem no cotidiano escolar, convidarei estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental que tenham feito todo o percurso escolar deste nível de ensino apenas em escolas da Rede Municipal de Ensino de Caxias do Sul.

O trabalho de campo envolverá inicialmente Mapas E-mic Rítmicos e Grupos Focais. Com os Mapas – instrumento quantitativo e gráfico para marcações relacionadas aos ritmos da vida (altos e baixos) – pretendo tomar o grau de satisfação dos estudantes em relação aos seus percursos escolares e de vida e estimulá-los a narrar sobre os pontos em que estes percursos se (des)encontram. Com os Grupos Focais, a partir de três temáticas predefinidas, desejo estimular nos jovens o debate acerca de suas experiências de aprendizagem e a relação dessas com as práticas e culturas de intervenção pedagógica.

Com esses procedimentos metodológicos – e outros que poderão ser agregados ao longo desta pesquisa que envolve as relações entre cotidiano, aprendizagem, experiência, reflexão e percepção – acredito ser possível mapear aprendizagens significativas, desdobradas da relação entre professores e estudantes, e discutir desvios e potencialidades da intervenção pedagógica na efetivação do direito à aprendizagem na Educação Básica. O desejo é que, ao final da investigação, seja possível propor intervenções pedagógicas potenciais para a efetivação do direito à aprendizagem.


Como citar este artigo: Lemons, Caroline Caldas (2019). Aprendizagem no cotidiano escolar: direitos, experiências e reflexões discentes. Life Research Group Blog, ICS Lisboa, https://liferesearchgroup.wordpress.com/2019/07/11 11 de Julho de 2019 (Acedido a xx/xx/xx)

Pedras nas trajetórias de estudantes de Taperuaba: a superação como ponto de partida

aleksandra.pngAleksandra Oliveira é doutoranda em Sociologia na Universidade Federal de Goiás, Brasil, e doutoranda-visitante no ICS-ULisboa.


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Minha pesquisa doutoral em curso trata da história de vida de estudantes que buscam inclusão e reconhecimento social através da escolaridade estendida. Para além da análise da singularidade das biografias, procuro compreender que conjunturas e processos desencadearam transformações nas trajetórias de pessoas comuns, o que fez com que agarrassem ou cultivassem oportunidades e alcançassem destinos improváveis.

Elegi oito interlocutores provenientes de famílias com baixo poder aquisitivo, com pouca escolaridade, egressos de escola pública, que conseguiram chegar ao ensino superior público, entre graduação e pós-graduação stricto sensu. Três são mestras em Geografia, Filosofia e Saúde Pública, e uma doutoranda em Antropologia Social; entre os moços, três são doutorandos em Geociências Paleontologia, Química e Geografia, e o mais jovem é graduado em Letras/Inglês.

A realidade local onde os meus interlocutores lançaram seus primeiros passos como sujeitos de sua história tem como característica o isolamento geográfico. Esta foi a primeira “pedra” – no sentido de barreira – para o prosseguimento escolar. O distrito de Taperuaba fica a 72 km de distância da sede do município de Sobral, no Noroeste do estado do Ceará, distante 207 km da capital Fortaleza, no Brasil. Dadas as distâncias que os separam da capital e de Sobral, os moradores têm acesso limitado a muitos serviços, bem como ao intercâmbio cultural e institucional.

A estrada é um caminho inevitável para obter comércio diversificado, transações bancárias, assistência médica especializada, ensino universitário e formação complementar. Em algumas ocasiões, não raras, os estudantes necessitam fazer este trajeto duas vezes ao dia, quando há atividades em turnos não conciliáveis, como manhã e noite, o que os leva a percorrer até 288 km numa única jornada. Localizado no Nordeste brasileiro – que em termos de geopolítica é considerado periferia em relação ao Sudeste e ao Sul -, esta região é historicamente menos assistida por investimentos econômicos e sociais. Melhorias através da implantação de políticas públicas na área da educação e saúde, por exemplo, são ações muito recentes. Para se ter uma ideia, a implantação do nível médio de ensino e a construção do posto de saúde foram conquistas que a comunidade de Taperuaba só alcançou no início dos anos de 1990.

A economia da comunidade taperuabense gira em torno da agricultura sazonal típica do semiárido, do pequeno comércio, de benefícios sociais do governo e dos insuficientes e disputados empregos públicos – em geral temporários – na área da educação (cinco escolas) e na área da saúde (dois postos de saúde). Mas a vocação econômica do distrito está nas pequenas e médias empresas de confecção para recém-nascidos, que há pelo menos três décadas passaram pela transição do artesanato do bordado à mão para o bordado à máquina. Com exceção do interlocutor mais jovem da pesquisa, todos os demais iniciaram a vida profissional nas atividades da confecção do bordado, não como escolha, mas como meio de sobrevivência. Logo que possível, todos abandonaram a atividade do bordado e migraram para a área da educação e da pesquisa. Este é o micropanorama socioeconômico que gestou os sujeitos com quem trabalho.

Ao longo de suas vidas, os interlocutores pesquisados driblaram uma série de escassezes e contratempos, aproveitaram e otimizaram chances e meios para ampliar a escolaridade e para se qualificarem profissionalmente. Um dos critérios na escolha dos interlocutores da pesquisa foi a faixa etária, que vai de 24 a 40 anos de idade. Esta opção considera que o contexto histórico da educação pública brasileira atravessou mudanças ao longo das últimas duas décadas, e que essas mudanças repercutiram, de formas diversas, nos percursos escolares dos pesquisados.

Em 1998, a primeira estudante do grupo estudado ingressou no ensino superior. Àquela altura, ela fazia parte de uma parcela muito restrita de pessoas pertencentes às camadas economicamente desfavorecidas que alcançavam esse feito. A partir de 2003, é verificado maior investimento em políticas públicas de educação. As matrículas no ensino superior cresceram paulatinamente até tomar grandes proporções, especialmente com a criação do Programa de Expansão e Reestruturação das Universidades Federais (Reuni), em 2008. Em todo o Brasil, inclusive no interior, foram abertas 18 novas Universidades Federais e 173 campi universitários, incluindo novas unidades de Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia. Os Institutos Federais (IFs) oferecem cursos que vão do nível técnico à pós-graduação. Foram criados novos programas de pós-graduação stricto sensu em todo o Brasil, acompanhados pela criação e ampliação de sistemas de bolsas de estudo e pesquisa em vários níveis. Tal cenário possibilitou o ingresso e a permanência de estudantes economicamente carentes, viabilizando o estudo e acesso à uma renda mínima de subsistência.

A realidade de quem viveu o ensino básico entre as décadas de 1980 e 1990, e chegou ao ensino superior na travessia para os anos 2000, foi completamente diferente de quem viveu a escolaridade nos anos posteriores. As políticas públicas de educação que foram implantadas na última década e meia alteraram sobremodo o perfil dos ingressantes na universidade, além das trajetórias escolares e de vida de grupos sociais antes excluídos. Os sujeitos da pesquisa estão entre os primeiros de sua geração familiar a experimentar tal novidade. Foram contemplados pelas políticas públicas e as mudanças macrossociais que acompanharam suas trajetórias acadêmicas.

A partir de 2001, o governo municipal de Sobral levantou uma forte bandeira de melhoria da educação básica pública e reestruturou toda a rede municipal com metas arrojadas de proficiência da aprendizagem. Em 2006, a rede estadual de ensino incorporou a filosofia e o modelo do projeto de educação aplicado em Sobral. Este cenário médio encontrou apoio nas políticas públicas federais de educação. Desde a década de 1980 o distrito de Taperuaba protagoniza um movimento comunitário de valorização da educação escolar. O fortalecimento dos sistemas de ensino municipal, estadual e federal foi abraçado com entusiasmo pela comunidade taperuabense, que tem uma história de reinvindicações pela melhoria das escolas e pelo acesso à universidade. Toda a atmosfera local também é um ingrediente relevante para compreender como os cidadãos de um lugar tão isolado podem desejar se apropriar da possibilidade de aprender e podem ter no acesso ao conhecimento um bem precioso.

Em um encadeamento de elementos a longo prazo, os eventos macro (nacionais) e meso (regionais) podem gerar movimentos locais e podem afetar a visão de mundo de muitos indivíduos e as suas trajetórias. Quantas pessoas e quantas famílias e grupos sociais podem ser afetados por esses movimentos de mudanças? No sentido inverso, ou concomitante, quantos indivíduos podem criar em suas biografias rupturas profundas capazes de impactar sobremaneira seus grupos e suas realidades, proporcionando alterações nas macroestruturas? Esse movimento é parte do fluxo social que é conflitante e complexo.

No nível micro, o desafio é conhecer que características relevantes e que referências significativas foram determinantes na constituição dos sujeitos da pesquisa como estudantes de pós-graduação. Procuro apreender os meandros dos caminhos e as estratégias de superação que os meus interlocutores encontraram para galgar novos degraus sociais: universidade e trabalho qualificado. Estes indivíduos não se curvaram às adversidades e, ao contrário da constatação do poeta Carlos Drummond de Andrade, não se fiaram no fato de que “no meio do caminho tinha uma pedra”. Eles fizeram das “pedras” um recurso de preparação para enfrentar os desafios.

Minha fundamentação teórica-metodológica está focada em reconstituir os processos de socialização dos interlocutores da pesquisa em formas de “retratos sociológicos” inspirados no modelo de Lahire. À luz dos conceitos bourdieusianos de capitais (econômico, social, cultural e simbólico), e de patrimônio disposicional de Lahire, dentre outros, procuro encontrar os fios que tecem o panorama de sucesso escolar nas camadas populares.

Precocemente encaixados na múltipla condição de trabalhadores e estudantes/viajantes, as conquistas que alcançaram até agora os sujeitos pesquisados já os colocam na condição de “vencedores” perante seus pares, porque escaparam das reservadas trajetórias convencionais de seus antepassados e dos parâmetros comuns que limitam os indivíduos de suas classes sociais. Os estudantes indicam em suas falas que o saber escolar e a obtenção do título acadêmico representam um conjunto de suportes práticos para ascender, mesmo que relativamente, a patamares mais elevados de oportunidades profissionais, melhoria na própria condição socioeconômica e de seu grupo familiar. Além disso, há uma série de elementos simbólicos na qualificação adquirida que é conferida com a aquisição do conhecimento e a certificação do saber, que se convertem em capital cultural. Toda a nova condição se desdobra em consciência sobre a realidade, realização pessoal e conquista de autonomia.

Num cenário geopolítico de incerteza e reduzidas garantias para os menos aquinhoados no mundo onde vigora o capital financeiro, ter acesso ao conhecimento ainda é um privilégio. Para os sujeitos da pesquisa, extrapolar seus circunscritos campos de possibilidades e contrariar as recorrências de suas origens foram os primeiros passos de uma longa caminhada.


Como citar este artigo: Oliveira, Aleksandra (2019). Pedras nas trajetórias de estudantes de Taperuaba: a superação como ponto de partida. Life Research Group Blog, ICS Lisboa, https://liferesearchgroup.wordpress.com/2019/04/23 23 de abril de 2019 (Acedido a xx/xx/xx)

 

 

Da Escola Pública ao espaço público da educação: concepções e reverberAÇÕES

alex.pngAlexandre dos Santos Silva é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e doutorando-visitante no ICS-ULisboa.


“É nós por nós, defendendo a Educação”
(Tema dos protestos estudantis na Insurreição Secundarista nos atos em 2018 contra a Proposta de Reformulação do Ensino Médio brasileiro).

O ano de 2015 foi marcado, no Brasil, por lutas e ocupações das escolas públicas do estado de São Paulo por parte de estudantes do Ensino Médio e do Fundamental II contra a postura autoritária e a equivocada proposta de “Reorganização Escolar” imposta pelo governo estadual de Geraldo Alckmin. Com o slogan “Não tem Arrego!”, o processo de mobilização e resistência estudantil juvenil inicia um movimento de intensas manifestações (163 protestos) e, consequentemente, mais de 200 escolas foram ocupadas durante todo o processo, entre setembro a novembro de 2015.

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Protesto dos estudantes na Avenida Paulista, em São Paulo. 2015

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Ocupar e resistir

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Celecina de Maria Veras Sales é professora na Universidade Federal do Ceará  e investigadora-visitante no ICS-ULisboa.


 

IMG_5256Crise, golpe, fascismo, empurram a juventude a beira do abismo e a desesperança quer ocupar seu território existencial, mas algo se passa, afeta, é hora de fazer alguma coisa. Chegou o momento de descobrir e inventar novos territórios. Em um processo dinâmico que não significa se fixar, mas produzir mudança, foi o que aconteceu nas Ocupações das escolas e universidades no Brasil. Isso nos instiga a pensar que ocupar é política, é aprendizagem, é arte, é criar laços, é reacender sonhos e criar uma nova forma de fazer política.

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Era fim da tarde do dia 3/11/2016, quando o cruzamento de duas grandes avenidas na hora do rush, ganhou novo cenário pela intensa movimentação de jovens universitários que estavam a chegar ao pátio da reitoria para realizar a assembleia estudantil no espaço da concha acústica. Que pauta poderia chamar 2 mil jovens em dia de pós-feriado? A convocação foi a discussão da PEC 241/55, Proposta de Emenda Constitucional em tramitação que estava a propor congelar as despesas do governo federal por até 20 anos, inclusive saúde e educação. Continuar a ler

“De quem é a escola? A quem a escola pertence?”: estudantes secundaristas e a ocupação das escolas no Paraná, em 2015

7.pngValéria Floriano é professora na Universidade Federal do Paraná (UFPR, Brasil) e investigadora-visitante no ICS-ULisboa.


A frase que dá o título a este post, foi pronunciada numa voz embargada e decidida pela estudante secundarista Ana Julia. Foi assim, provocando a audiência, que iniciou o seu discurso na tribuna da Assembleia Legislativa do  Estado do Paraná, em defesa das ocupações das escolas.  Era o dia  26 de outubro de 2016 e o movimento de ocupações, deflagrado, em 03 de outubro, contava com 850 escolas ocupadas, 14 Universidades e 3 Núcleos de educação.

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Mas afinal, que movimento foi esse que precisava ser defendido em audiência pública?

Para começar, não creio que seja possível compreender o movimento dos estudantes secundaristas e a potência do processo de ocupações das escolas, sem lembramos do contexto que antecedeu a denominada “Primavera Secundarista” (teaser) Continuar a ler

OCUPAR A ESCOLA, OCUPAR A POLÍTICA: QUESTÕES, SURPRESAS, ALENTOS

miriam.pngMiriam Leite é professora na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ, Brasil) e investigadora-visitante no ICS-ULisboa.


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Desde 2015, diversos estados do país têm assistido a ocupações de escolas públicas por suas estudantes, sobretudo, secundaristas, mas também com presença de ativistas dos últimos anos do ensino fundamental. Mobilizam-se por questões com importante dimensão local – como, por exemplo, por voz e democracia nas escolas, contra a chamada “reorganização escolar”, em 2015, em São Paulo, ou em reação às decorrências do severo corte de verbas para a Educação ocorrido no contexto de falência financeira do estado do Rio de Janeiro, em 2016 – mas também em resposta a iniciativas conservadoras em nível nacional, como a emenda constitucional promulgada em dezembro de 2016, que congelou os gastos públicos por 20 anos, e por lutas ainda mais amplas, como pelos direitos das mulheres, das pessoas negras, lgbt, jovens, pobres.

Pobre, sempre falaram isso pra mim, pobre, preta, sapatão e estuda em colégio público. Tudo pra dar errado. A gente vê todos os preconceitos numa coisa só, numa coisa só, entendeu? (Aluno[1], 16 anos, 2ª série, Grande Rio 1)

Tive o privilégio de pesquisar sobre essa ação política, de que me aproximei por diversos caminhos: páginas do Facebook mantidas pelas ocupações, vídeos no YouTube produzidos por ou sobre o movimento, visitas a escolas ocupadas na região do Grande Rio, e discussões com grupos de ativistas das escolas visitadas (gravadas e transcritas). De fato, um privilégio. Continuar a ler

Desencontros de um ‘ensino meio’: desde pequenos a gente é acostumado a ir, ir e ir… e nunca perguntar as coisas!

foto.png Cineri Fachin Moraes, Universidade de Caxias do Sul/Brasil e doutoranda visitante no ICS-ULisboa


A escuta de jovens do Ensino Médio de escolas públicas do sul do Brasil, indicam que ainda persistem muitos desencontros entre a experiência juvenil e a escolar. Narrativas como a que complementa o título desta postagem e a apresentada a seguir mostram um desencontro, um afastamento entre o que lhe interessa aprender e o que lhe é ensinado na escola. Também nos ajudam a pensar na rotina de ‘ir, ir e ir e nunca perguntar’, nunca questionar:           

 Sobre esse assunto de aprender o que a gente não ocupa pra vida… eu acho que a gente está sendo alunos ignorantes, porque a gente só aceita o que vem pra nós. Só aceita! Todo mundo aprende e nunca ninguém fala nada.

Estar na escola e acompanhar as rotinas e rupturas do cotidiano a partir da voz dos jovens estudantes desafia a tentativa de decifrar enigmas que perpassam as relações entre os atores que a compõe, mais especificamente, no cenário do Ensino Médio de escolas públicas da região metropolitana da serra gaúcha do estado do Rio Grande do Sul, localizado no extremo sul do Brasil. Continuar a ler

Eu reclamo. Ele reclama. Nós reclamamos. Eles reclamam.

Culturas da reclamação no ambiente escolar: reflexões a partir da escolarização obrigatória no Brasil

nildaNilda Stecanela é professora da Universidade de Caxias do Sul, com atuação no Programa de Pós-Graduação em Educação. Fez estágio de doutorado no ICS/ULisboa (2005-2006) e estágio pós-doutoral no Institute of Education/University of London (2015-2016). Atualmente exerce a função de Pró-reitora de Pesquisa e Pós-Graduação.


Claudia Velho-7539

Reclamações em rotas distintas

Os queixumes dos professores

– Os alunos não querem nada com nada. Só vêm para a escola porque os pais (e a lei) obrigam.
– Lá fora (da escola) o mundo é mais atrativo.
– Os alunos são mais difíceis de lidar, têm menos empenho e esforço.
– Problema é ensinar quando as famílias depositam na escola o papel de educar também.
– Dificuldade é os pais largarem os filhos nas mãos dos professores.
– Muito conteúdo (informação) fica sem ser dado (porque os alunos não se comportam).
– (O professor) tem que cuidar com o que diz e o que faz, pois tudo favorece o aluno.
– Os alunos têm mais direitos do que deveres (..), conhecem os direitos e os usam para intimidar o professor.
– Com a nova LDB não podemos mais reprovar.

Em síntese, os professores reclamam da falta de interesse dos alunos com a escola, da ausência da família, pois consideram que o papel da escola é ensinar e o papel da família é educar, e, experienciam constrangimentos quando tentam formar de valores, além da perda de poder. Continuar a ler