A vacinação em debate nos meios de comunicação social em Portugal


Juliana Chatti Iorio & Katielle Silva – Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa


O debate sobre vacinação tem sido recorrente nos meios de comunicação social em Portugal, mas foi agudizado no quadro da pandemia provocada pelo novo coronavírus (COVID-19). Notícias sobre vacinas, vacinação, movimentos anti vacinas, para além das notícias de verificação de factos (fact-checking), ganharam maior visibilidade no contexto pandémico.

Com base num relatório produzido para o projeto «VAX.TRUST – Addressing vaccine hesitancy in Europe» – financiado pela Comissão Europeia – que está a ser desenvolvido em Portugal e em mais 6 países (Bélgica, Itália, Finlândia, Reino Unido, República Checa e Polónia), tentamos perceber os discursos pelos artigos publicados em três jornais de grande circulação em Portugal (Correio da Amanhã, Observador e Público). Para tal, selecionamos artigos (noticiosos ou de opinião) que continham as palavras “vacinação”, “vacina”, “imunidade”, “imunização” e “inoculação” durante dois períodos:

(1) Antes de 11 de Março de 2020 – período PreCOVID-19;

(2) Depois de 11 Março de 2020 (incluindo esta data) – período COVID-19.

Características da Amostra:

Jornais (N, %)PreCOVID-19 (N)(%)COVID-19 (N)(%)
Correio da Manhã9360%21759,4%
Observador2818%7821,4%
Público3422%7019,2%
Total155100%365100%

Fonte: Elaboração Própria

Dos 520 artigos analisados, o Correio da Manhã foi o jornal com mais publicações em ambos os períodos. Isto deve-se ao facto deste jornal fazer uma atualização diária das informações, não correspondendo à publicação de novos artigos, mas sim à republicação de artigos com um maior desenvolvimento. Por outro lado, o Observador e o Público, apostaram mais na publicação de artigos com análises mais profundas, publicados uma única vez. De qualquer modo, os três jornais utilizaram muitos artigos provenientes de Agências de Notícias (Lusa, AFP, Reuters, etc), implicando que os temas discutidos não fossem muito diferentes entre eles.

O poder de persuasão das notícias

Desde o período PreCOVID-19 os jornais portugueses mostram-se preocupados com a disseminação de informações falsas (Fake-News). Nesse sentido, para além de iniciarem a prática da verificação de factos (fact-checking) – o que é positivo,passaram a dar mais voz àsfontes de informação que consideravam mais credíveis (Revistas científicas; Médicos; Especialistas; etc). Nesse sentido, observamos que os textos publicados por estes jornais (jornalísticos ou de opinião), apresentavam uma estrutura argumentativa que acabava por persuadir o público-alvo a pensar de uma determinada maneira.

No caso da vacinação infantil, atentamos para o facto de, desde o período PreCOVID-19, poucos textos promoverem uma discussão com grupos ou pessoas hesitantes da vacinação infantil, ou mesmo com aqueles que recusavam vacinar os seus filhos. Isto foi nítido, uma vez que tais textos não apresentavam qualquer tipo de contra-argumentação proveniente destes grupos. Se, por um lado, o objetivo destes jornais era o de primar pela veracidade das informações, por outro lado, como garantir essa veracidade sem ouvir o que todas as fontes têm a dizer? Como dizer que determinados movimentos são “baseados em teorias da conspiração”, ou rotular os seus intervenientes de “charlatões”, sem lhes dar voz?

Durante o período da COVID-19 este padrão foi mantido, já que os artigos publicados por estes jornais passaram a utilizar adjetivos como “mito”, “negacionismo”, etc, quando se referiam àqueles que não acreditavam nos perigos da COVID-19 e nem confiavam na vacina contra esse vírus. Neste período, estes jornais apostaram, ainda mais, em fontes provenientes de estudos científicos e opiniões de médicos e especialistas favoráveis à vacinação contra a COVID-19, mas poucos foram os que referiram os possíveis efeitos adversos desta vacina, ou que colocaram em causa a sua eficácia. Os médicos e peritos que colocavam em dúvida a confiança nesta vacina, também não tiveram voz nesses jornais.

Por isso, ainda que durante a COVID-19, o objetivo de grande parte dos textos publicados pelos jornais analisados tenha sido o de desconstruir as Fake-News relacionadas à vacina contra a COVID-19, observamos que as pessoas anti vacinas apareceram sempre associadas às notícias falsas, e que nunca tiveram voz enquanto individualidades. Quando ouvidas, isso acontecia enquanto grupos ou movimentos homogéneos.

É facto que, tanto no período PreCOVID-19, como durante a COVID-19, os atores coletivos, ou seja, as organizações formais, foram as fontes de informação mais utilizadas por estes jornais. Enquanto no período PreCOVID-19 os representantes das estruturas ligadas aos governos (como o Serviço Nacional de Saúde – SNS e a Direção Geral de Saúde – DGS) foram aqueles que mais tiveram presença nestes jornais, seguido por organizações governamentais, cientistas e instituições de pesquisa; durante a COVID-19, foram os representantes/chefes de Estado que passaram a ter uma maior visibilidade.

Fontes de Informação:

Atores coletivos organizações formais referenciadas nos enxertos das notícias analisadasPreCOVID-19Durante a COVID-19
Estruturas ligadas aos governos (ex. “o SNS, a DGS, etc.”)  e seus representantes (ex. “o/a diretor/a-geral de saúde, as autoridades de saúde, etc.”)4317
Organizações Governamentais (ex. “a OMS, a Comissão Europeia, etc.”)2722
Institutos de Pesquisa/ Universidades e seus cientistas1312
Associações/ Sindicatos/ ONGs1012
Representantes/Chefes de Estado, Ministros/as, Secretários/as de Estado, Líderes parlamentares (ex. “o/a Ministro/a, o/a Rei/Rainha, o/a Presidente, etc.”) 633
Instituições Privadas (ex. farmacêuticas), Financeiras (ex. bancos), Religiosas 48

Fonte: Elaboração Própria

Também foi interessante observar que, no período PreCOVID-19, as estruturas ligadas não só ao governo português, mas também aos países que possuem uma relação histórica com Portugal, como Moçambique e Angola, foram as mais referenciadas. Nesse sentido, os discursos divulgados por essas estruturas demonstravam preocupação com as doenças que já possuíam vacinas e estavam controladas em Portugal, como o sarampo e a tuberculose, mas que ainda não estavam controladas naqueles países; ou com as doenças cujas vacinas estavam a ser desenvolvidas para controlar determinados surtos (como a cólera) naqueles países. Além disso, o sarampo, a hepatite B, a meningite, o vírus do papiloma humano (HPV) e o da gripe, apareceram nas notícias como as grandes preocupações das estruturas ligadas ao governo português. Deste modo, os discursos centravam-se nas medidas de prevenção e de incentivo à vacinação contra essas doenças, nunca colocando em causa a eficácia dessas vacinas, e nunca dando visibilidade aos grupos hesitantes de vacinação. Ressaltavam, portanto, a importância das vacinas no combate a essas doenças, procurando reiterar a confiança na vacinação para o controlo das mesmas.

Durante a COVID-19, menos relevo foi dado aos discursos das estruturas governamentais, e menos importância ainda foi dada aos discursos dessas estruturas em países que possuem relações históricas com Portugal. Devido ao coronavírus, a atenção foi dada à China, uma vez que este vírus havia surgido naquele país; e as notícias também passaram a referir países como os Estados Unidos da América e o Reino Unido, uma vez que estes destacaram-se no desenvolvimento das vacinas contra o coronavírus.Assim, neste período, para além dos representantes/chefes de estado, as organizações governamentais comoa Organização Mundial da Saúde (OMS), a Comissão Europeia, a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Agência Europeia de Medicamento (EMA) foram os atores que mais tiveram destaque nos jornais analisados. Os seus discursos referiam o reconhecimento à ciência, ao desenvolvimento e à distribuição das vacinas, para além do testemunho de figuras públicas à favor da vacinação (algo não observado no período anterior).

Contudo, enquanto no período PreCOVID-19 as organizações governamentais não vinham à comunicação social reconhecer o mérito dos cientistas e de suas pesquisas, durante a COVID-19, esses atores passaram a ser referenciados com o reconhecimento público dessas organizações.

Pode-se dizer, portanto, que a análise desses jornais demonstrou que os temas da vacinação, do acesso à vacina, da relevância da vacina no combate a doenças e das Fake News, foram recorrentes em todos os jornais,em ambos períodos analisados, e que tiveram como mensagens centrais: (1) “as vacinas melhoram a vida”, (2) “previnem doenças” e (3) “protegem a saúde de todos”.

Nota: Este projeto recebeu financiamento através do programa de pesquisa e inovação European Union’s Horizon 2020 com o Grant Agreement N.º 965280 (This project has received funding from the European Union’s Horizon 2020 research and innovation programme under Grant Agreement N.º 965280).


Juliana Chatti Iorio é doutora em Geografia Humana – Migrações, pelo Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT) da Universidade de Lisboa; mestre em Comunicação e Indústrias Culturais pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, e licenciada em Comunicação Social – Jornalismo – pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (Brasil). Atualmente é investigadora pós-doc para o Projeto Vax-Trust – Addressing vaccine hesitancy in Europe, no Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, e investigadora colaboradora no Centro de Estudos Geográficos do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (CEG-IGOT) e no Centro de Investigação de Estudos Sociológicos (CIES) do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE).

Katielle Silva é doutora em Geografia Humana, pelo Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT) da Universidade de Lisboa; mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente e Geógrafa pela Universidade Federal de Pernambuco (Brasil). Foi investigadora pós-doc no Projeto Vax-Trust Addressing vaccine hesitancy in Europe, no Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa. Atualmente é Professora Adjunta da Universidade de Roraima e investigadora no Centro de Estudos Geográficos do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (CEG-IGOT) da Universidade de Lisboa


Como citar este artigo: Iorio, Juliana Chatti & Silva, Katielle (2022). “A vacinação em debate nos meios de comunicação social em Portugal” Antes e Durante a COVID-19. Life Research Group Blog, ICS-Lisboa, https://liferesearchgroup.wordpress.com/2022/05/18 18 maio de 2022 (Acedido a xx/xx/xx)

A vacinação em debate nos meios de comunicação social em Portugal | 25 janeiro | 11h




No dia 25 de janeiro, pelas 11h, o LIFE Webinars contará com a participação de Juliana Chatti Iorio e Katielle Silva, investigadoras no ICS-ULisboa.

Pode aceder ao seminário AQUI.

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